Pensei em dissertar sobre as amarguras da vida, a pouca sorte. A inveja das coisas dos outros. O facto dos outros terem sempre mais, melhor e mais fácil. Dos outros não terem problemas e de terem saúde e sorte 365 dias por ano. De tudo lhes correr bem, como planeado e sem dissabores.
Pensei depois que tudo isso é uma ilusão. Que todos achamos isso dos outros e que nós também somos os outros na percepção deles. Que amarguras todos temos, apenas uns gostam mais de falar delas que outros.
Pensei que a pouca sorte depende sempre do ponto de vista, da circunstância, do momento. Do estado de espírito. Daquilo que para cada um de nós é mais relevante. Do que mais nos importa conseguir ter ou atingir.
Pensei que a inveja só existe porque na verdade não calçámos os sapatos do outro. Porque à distância tudo parece bonito e fácil, mas ao perto não é bem assim. Que nem toda a inveja é má, mesmo que nos deixe um amargo de boca. Às vezes a inveja é a gasolina para fazer andar o nosso motor, aquele que nos faz andar para a frente em vez de perdermos tempo a andar para o lado. Sempre que estamos parados a contemplar e mal dizer as coisas dos outros, estamos a andar para o lado. Quando usamos isso para nos motivar, aí sim, começamos a andar para a frente.
Pensei que a saúde nem sempre está à vista, não é um adereço que pomos na cabeça e no qual os outros reparam. Que pode-se ter mais ou menos e conseguir viver bem com isso sem que ninguém perceba. Se calhar os outros também têm uma dor de costas de vez em quando; não lhes desejo males maiores.
Pensei ainda que a sorte dá trabalho e que o que tenho à frente dos olhos talvez não tenha sido assim tão simples de alcançar, mesmo que as dificuldades dos outros para mim sejam canja. É assim que a vida acontece. É a relatividade das coisas. E a relatividade tem uma importância gigante embora ninguém lha dê.
Pensei que isso do "correr tudo bem" é tão relativo como a "pouca sorte". Depende de muitos factores, da circunstância, daquilo a que estamos dispostos a sacrificar para atingir determinado fim. Do valor que lhe damos.
Por fim pensei também que nem sempre tudo o que parece é e que mais vale não gastar energia com coisas que não controlo. Que tristezas não pagam dívidas e que o melhor que tenho a fazer é ignorar certas coisas.
E com tantos pensamentos independentes mas cruzados, acabei por falar de tudo o que tinha pensado numa primeira instância. Dos caminhos e dos atalhos. Dos becos escuros e das avenidas cheias se luz. Esta é a maravilha da escrita. Quando damos conta, dissertámos acerca de não sei quantas coisas diferentes sem sequer ter saído da primeira.
Acho que estou demasiado influenciada pelo Saramago.
Que venham mais 200 posts, haja saúde e disponibilidade mental que isto, na vida, é cada um com as suas 😉
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