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E lá se foi o meu C2...

Gosto de carros simples. Não. Na verdade, gosto de carros básicos.

Daqueles carros sem paneleirices, onde um risco ou uma mossa custam a aceitar, mas não custam muito. Como também não custou o carro. Custou o devido valor para algo que serve para nos levar de um sítio ao outro sem gastarmos as pernas e as solas dos sapatos. E sem termos que vender um rim para o conseguirmos comprar.

Normalmente um carro básico é, também, um carro em segunda mão. Estimado, é certo, mas que tem só o que faz mesmo falta. Sem sensores que alertam por tudo e por nada, sem travar sozinho, sem acelerar sozinho. Sem pôr mudanças sozinho. Enfim... Sem conduzir sozinho. Porque a piada está em conduzir o carro, não em ele conduzir-nos a nós. Isso seria como ter aqueles cães que passeiam os donos. Não, obrigada.

Gosto de carros de gajo, não gosto de carros de gaja. De carros brutos, mas não necessariamente grandes (se bem que, um dia, ainda vou ter uma pick-up!). Gosto de carros com alguma testosterona. De carros que tanto nos levam a um casamento numa quinta, como a um concerto no meio do nada; que tanto nos servem para ir ao supermercado, como para carregar materiais de construção. Que nos levam ao campismo. Que vão do norte ao sul e daí ao centro só com um depósito e depois, não vamos à falência ao enchê-lo (bem, agora, por muito eficiente que o carro seja, vamos à falência e pronto).

Gosto de um carro que uma pessoa olha e sabe que pode contar com ele. Que acelera e o carro anda, que trava e o carro trava. Que, se estiver numa subida, tem que fazer ponto de embraiagem ou ele vai a baixo. Que não está sequer no limiar do paneleiro, mas que até tem vidros elétricos e A/C (não disse que não tinha nenhum conforto...). Um carro que tem o que é preciso ter e nada mais.

É tempo de dizer adeus a mais um carro básico, simples e em segunda mão e, desta feita, não por maus motivos. ESTE não está pela hora da morte, nem tem que ser abatido porque levou com outro em cima. Nem sequer levou com um javali em cima; não levou com nada. Só com o tempo, que esse passa por tudo e nem licença pede.

Vai porque tem que ir, porque já não faz falta. Não vai porque não presta. Ai não, isso não. Tanto que, o que custou a encontrar, não custou agora a vender.

Só custa porque era o meu preferido... Era, não. É. E continuará a ser, mesmo já não me pertencendo.

Dizem que gostamos sempre mais do carro que temos no momento. E que o próximo será melhor e passará depressa a ser o preferido de todo o sempre.

Mentira.

Despeço-me do meu carro preferido até hoje e ESTE não foi o último, nem era o do momento.

O anterior a ELE foi também o meu preferido enquanto existiu, é certo, tal como o foi o primeiro de todos e assim se foram substituindo; um porque estava velho e cansado, outro porque, não sendo novo, alguém fez o favor de o deixar num oito. Mas ESTE, um bocadinho menos básico mas igualmente simples, este sim, bateu todos. Até os modernos e novinhos em folha que se apresentaram a seguir a ELE.

Terá sido, talvez, O último carro básico que tive. Já não se fazem carros básicos. Talvez um dia voltem a fazê-los como fizeram com os telemóveis Nokia. Talvez sim. Ou talvez não. Daqui a 100 anos provavelmente já ninguém conduz.


Sejam felizes e... Gostem do carro que gostarem, tenham o carro que tiverem... Conduzam com cuidadinho!

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