Antes, no passado, no "meu tempo", queríamos ser médicos para salvar vidas, advogados de causas perdidas para trazer justiça a este mundo cruel, engenheiros de qualquer coisa para arranjarmos soluções para os problemas com que nos deparávamos. Cabeleireiras para pôr as pessoas bonitas, pedreiros para fazermos a nossa própria casa, na loucura, jogadores da bola - e era este último o desejo mais acéfalo possível naquela altura. E ainda nem havia nenhum Ronaldo, imagine-se.
Agora, num mundo em que o que interessa é aparecer, quere-se ser - imaginem - influencer.
Mas que merda é esta?
Que raio de trabalho é esse mesmo?
Sim, até compreendo, deve dar um trabalho desgraçado pensar em conteúdos, fazer aquela maquilhagem que parece que não está lá para parecer que se acabou de acordar em bom, filmar a mesma coisa meia dúzia de vezes porque nunca nada está bem, tirar a mesma foto 20 vezes porque há sempre qualquer coisa que está mal. Ter, completamente por acaso, o telemóvel a filmar no suporte em cima da mesa logo na altura em que nos aconteceu algo insónito em casa; que sorte estar no ângulo certo!
Deus me livre e guarde.
Quere-se ser influencer porque se gosta de ver outros influencers. Gosta-se da atenção dada. Quere-se ser conhecido, dizer-se verdades de La Palisse como se de seus pensamentos se tratassem, armar-se em defensor dos fracos e oprimidos como se mais ninguém no mundo conseguisse ver a injustiça. Opinar sobre tudo porque a sua opinião interessa muito e vale de alguma coisa. Fazer perguntas aos seguidores porque estes, pobres coitados que não têm vida própria, parece que querem muito saber a receita das torradas com manteiga, a marca do amaciador do cabelo, qual é a sua rotina simples e rápida de beleza e como consegue ter 3 filhos, ir ao ginásio 4 vezes por semana, ao SPA à quarta-feira, às massagens à segunda, aos eventos, publicar conteúdos, fazer tudo em casa com a "pessoa que a ajuda" e ainda fazer todos os dias o pequeno almoco para a família como se de um buffet de hotel se tratasse. Ah! Claro, e quere-se ser influencer na expectativa de ganhar dinheiro com alguma marca de jeito. Uff... Que trabalheira! Isto sem nunca um cabelinho sair do sítio, sem borrar a maquilhagem, sem uma birra dos filhos ou uma chatice com o cônjuge - que vida perfeita.
É, afinal é mesmo um trabalho. E o contrato sem regras e sem termo permite que se gira o tempo como se quer. É bom. Dure 2, 10 ou 20 anos. Ou só aqueles primeiros meses de entusiasmo e esteria.
"O meu futuro está nas redes [de pesca?], é nisso que estou focada. Tenho vergonha de dizer que tenho uma empregada, por isso, digo que tenho uma pessoa que me ajuda, é uma frase mais pobrezinha, logo, pareço mais humilde. Estou empenhada em dar o melhor de mim e sei que ainda tenho muito para dar".
Dar o quê a quem mesmo?
Gosto de pessoas sem noção. São mais felizes.
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