E lá estou eu no trânsito outra vez... Se me dissessem, há uns anos, que alguma vez ia andar no pára-arranca no IC19 ou na 2a Circular rir-me-ia na cara dessa pessoa. Eu? Em Lisboa? No IC19? Na 2a Circular? Eu nem sei onde isso fica, senhores! Nunca me vão apanhar viva nisso.
Pois, o "nunca digas nunca" é mais verdade do que se possa imaginar.
Bem, cá vou eu neste carreiro de formigas que costumava ver na TV. Ah valente!
Olho para o lado e 90% dos carros só levam uma pessoa. Raramente se vê um carro com mais alguém para além do infeliz condutor.
O GPS diz-me que há um acidente ali à frente e que vou ter que aguentar 7 minutos que até me lixo, ali, onde a estrada fica vermelha.
As motas ganham nestas situações. Conseguem esgueirar-se e lá vão avançando qualquer coisa.
Há pessoas de quem a vida já fugiu. Vão ali, meio mortas, em piloto automático até que algum estímulo as faça pestanejar.
Outras, porém, parecem eléctricas. São incapazes de se deixar levar, de seguir o carreiro como as outras. Serpenteiam que nem animais assim que o olho encontra uma aberta. Como se adiantasse de muito. Sim, isto mais parece a selva.
Olho de novo para o GPS e ainda faltam 40 minutos para chegar, pouco me imporam os Km, a distância. Queria chegar antes das 9h e, com sorte, já só chego às 9h15.
Também eu vou sozinha, mas faço um percurso pouco habitual para poder ser partilhado.
É provável que, nos intervalos da atenção máxima que a situação me exige, vá a falar sozinha ou a cantar. Sim, sou uma dessas pessoas que não bate bem e faz figuras. Têm bom remédio, não olhem.
Chego, já completamente acabada, foi mais de 1h30 a conduzir logo pela fresca.
Aviso que cheguei. Quando uma pessoa vai assim para longe, sozinha, as outras pessoas ficam preocupadas connosco, é normal. Pelo menos as que gostam de nós. Aquela mensagem é um alívio para quem a recebe.
O dia passa mas o olho não pode desviar muito do relógio, se deixo passar as 16h tenho mais um carreiro de formigas para seguir...
Meto-me ao caminho, mais filas... Mas a esta hora as pessoas vão mais despertas, ou pelo menos, parecem. Ir para casa é sempre diferente de ir para o trabalho.
Hoje está toda a gente louca, saiu tudo à rua e eu estou a demorar muito mais que o habitual.
Voltar costuma parecer mais rapido do que ir. Não desta vez. Que suplício, a estrada nunca mais tem fim.
Tinha pensado em passar no supermercado, mas já não tenho coragem. Que se lixe, o jantar vai ter que ser douradinhos.
Cheguei. Farta de transito até aos olhos. Farta de conduzir. Queixo-me da vida, da má sorte que foi apanhar aquele acidente. Do azar que foi toda a gente decidir sair à rua hoje. Queixo-me de tudo o que me lembro. Culpo o trânsito pelos douradinhos. Queixo-me tanto que me esqueci do mais importante. Esqueci-me que cheguei. E que quem me esperava já está descansado.
Eu cheguei, mas há quem não chegue.
O T.M. não chegou. Não sei se também estava farto do trânsito, talvez não, ele foi de mota. Também ele tinha gente à espera, certamente. Também ele tinha pessoas preocupadas que a viagem lhe corresse bem. Nunca vou saber se ele, como eu, já estava farto de conduzir. E as pessoas que esperavam saber se chegou bem nunca vão descansar. O T.M. não chegou e eu aqui a queixar-me de tudo... Eu aqui a queixar-me de nada... Eu ao menos cheguei.
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