Avançar para o conteúdo principal

A foto do obituário

Tenho horror a redes sociais que para nada mais servem do que para lavar roupa suja, mostrar o que não se tem e ser-se o que não se é. 

Talvez por isso não seja daquelas pessoas que tem 300 mil fotos suas no telemóvel (sim, pouca gente hoje em dia "tem" fotos noutro sítio).

Às vezes dou por mim a pensar que há um vazio de uns 15 anos na minha vida, porque não tenho fotos "nenhumas" dos últimos anos, "acabaram-se" os típicos álbuns e, não tendo redes sociais, pareço não ter motivo para as tirar. Assim, há um gap na minha existência, como se não tivesse existido de todo, um corte na linha da vida, aquela que é desenhada por e recordada com fotos.

Pior que esse vazio é o que dele pode vir.

Admiro-me de ver nos obituários pessoas de 70 anos com fotos de 50, pessoas de 80 com fotos de 60 e pior. Admiro-me mas, olhando para mim mesma, não é assim uma coisa tão estranha de acontecer. As pessoas envelhecem e já não gostam de se ver, não querem fotos e ninguém lhas tira senão de raspão no Natal.

É por isso que a D. Maria parece a filha e o Sr. José parece o primo da França.

Eu, não sendo ainda uma dessas idosas que não quer fotos, também não as tiro e, por isso, não é um caso assim tão diferente.

Caramba, não quero vir a ser uma defunta dessas...!  O melhor mesmo é começar a tirar uma foto de vez em quando.

Não estou a fazer conta de falecer tão cedo, mas nisto dos falecimentos nunca se sabe! Não quero dar trabalhos a quem vai ter que desencantar à pressa uma foto qualquer para desenrascar, que não pareça muito mal, para pôr no meu obituário!

Não quero parecer outra pessoa, quero ser eu, velha ou nova (muito velha, de preferência).


Sejam felizes, não queiram falecer tão cedo, tirem fotos se vos apetecer e... Sonhem!

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Mensagem publicada n°200

Pensei em dissertar sobre as amarguras da vida, a pouca sorte. A inveja das coisas dos outros. O facto dos outros terem sempre mais, melhor e mais fácil. Dos outros não terem problemas e de terem saúde e sorte 365 dias por ano. De tudo lhes correr bem, como planeado e sem dissabores. Pensei depois que tudo isso é uma ilusão. Que todos achamos isso dos outros e que nós também somos os outros na percepção deles. Que amarguras todos temos, apenas uns gostam mais de falar delas que outros. Pensei que a pouca sorte depende sempre do ponto de vista, da circunstância, do momento. Do estado de espírito. Daquilo que para cada um de nós é mais relevante. Do que mais nos importa conseguir ter ou atingir. Pensei que a inveja só existe porque na verdade não calçámos os sapatos do outro. Porque à distância tudo parece bonito e fácil, mas ao perto não é bem assim. Que nem toda a inveja é má, mesmo que nos deixe um amargo de boca. Às vezes a inveja é a gasolina para fazer andar o nosso motor, aquele q

Ponham no Facebook, no Instagram, no Tiktok ou...

Felizmente, nasci antes de existirem redes sociais e telemóveis. Sou do tempo em que as pessoas falavam umas com as outras e em que um rolo de 24 fotografias dava bem para 15 dias de férias no Algarve. Já ninguém sente a alegria (ou a desilusão) de ir buscar as fotos reveladas ao fotógrafo e encontrar umas quantas surpresas: umas tremidas, outras descentradas, algumas boas e ainda algumas tiradas sabe-se lá por quem. Não, já ninguém sabe o que isso é. Hoje em dia ninguém tem paciência para esperar por nada, quanto mais por revelação de fotos. Seguia-se o ritual de as colocar no álbum, fosse no oferecido pelo fotógrafo ou outro. Mas não sem antes escrever no verso de cada foto o local e a data de cada uma: Manta Rota, Agosto de 1992. Os álbuns ficavam religiosamente guardados num qualquer móvel, em casa. Nas gavetas ou nas prateleiras, conforme coubessem. E cabia sempre mais um. De vez em quando uma pessoa lá se lembrava (e lembra!) da sua existência e os álbuns saem do armário para que

Ela é que manda nas outras e eu digo "Oh Cristina, não sejas assim!..."

Brinquei muito sozinha. Não tenho irmãos e a prima mais próxima em idade só mais tarde se tornou minha amiga. As outras primas a seguir estavam longe, só brincávamos duas vezes por ano e a outra prima só apareceu 8 anos depois de mim (o que é uma seca quando se quer brincar a sério. Sim, brincar a sério exige uma idade para tal; antes disso não se sabe brincar a sério, só se brinca a brincar e isso não tem graça nenhuma). E sim, isto de ser família não significa que as pessoas estejam todas próximas e muito menos que gostem todas umas das outras (às vezes só fingem que gostam e outras tantas gostam mas, de repente, deixam de gostar). É por isso que se diz que os amigos são a família que escolhemos. A que nos calha em sorte à nascença nem sempre nos enche as medidas e temos que mandar vir de fora. Voltando ao ponto. Brinquei muito sozinha. Não tenho irmãos, as primas estavam longe (emocionalmente, em espaço ou em idade) e, por isso, grande parte do tempo era passado a brincar sozinha. P