Avançar para o conteúdo principal

Não chegas lá a baixo primeiro que eu (ou a arte do "desmaricanço")

E não chegou. É difícil competir na modalidade de descer escadas com alguém que, mesmo sem querer, ousa tirar os pés do chão. 

"Oh mãaaeee!... A Cristina caiu!"

Mas a Cristina caiu num tempo em que se podia cair. Em que as pessoas caiam, levantavam-se, sacudiam o pó (no meu caso, lavavam a cara) e seguiam a sua vida desde que não estivessem para morrer.

Caí numa altura em que um acidente, mesmo que fora de casa, não era tragédia nenhuma. Em que não vinham os paizinhos a correr. Em que ninguém panicava porque não havia polícias da moral e porque, na verdade, não havia necessidade.

Caí mas ganhei a competição, por isso a queda nem contou.

Decidi competir com a A.L. para ver quem chegava primeiro à aula Inglês que era numa sala do R/C da S.E.. Ganhei, claro. A escada era íngreme, mesmo a pique, do 1o andar para o rés do chão, com uma porta para a rua mesmo ao fundo. Tropecei certamente nos meus próprios pés ou estes resvalaram num dos estreitos degraus. Não importa. Quando dei por mim tinha aterrado de boca na ombreira esquerda da porta (sorte mesmo à tuga, claro está, se não fosse a ombreira da porta tinha ido parar à estrada porque a porta estava aberta).

Levantei-me, com aquela sensação trémula nas pernas e a pensar "O que é que aconteceu?? Ainda agora estava ali em cima. Ah, caí.". Levei a língua aos dentes da frente e senti que faltava ali qualquer coisa. Não interessava muito, nem pensava nisso e também não me doía nada.

A mãe da A.L. levou-me de novo ao primeiro andar e lavou-me a cara e a boca. Nem uma gotinha de sangue apareceu a fazer a festa, tal era a ruindade (e ainda hoje estou para saber como). Voltei a descer a escada, desta vez com cuidado, e lá fomos nós para o Inglês.

Só mais tarde, quando os meus pais saíram dos seus trabalhos (e a aula de inglês acabou) é que fui ao dentista (sim, só parti mesmo os dentes, nem os óculos sofreram um arranhão que fosse, quanto mais os ossos). 

Mas já não se pode cair assim. Porque toda a gente acha que, se não se alarmar de imediato os pais e não se levar os meninos de imediato ao hospital, das duas, uma, ou se é cancelado pela sociedade porque se é um mau pai (E muita sorte se não lhe retirarem os filhos) ou se é cancelado pela sociedade porque não se informou os pais da criança de que esta estava em agonia, já meio-morta. Muito mais morta na percepção dos outros do que na dela própria, que até nem lhe dói nada. No meu tempo dizia-se "já passou" dava-se uma palmadinha da ombreira da porta enquanto se a chamava de "má" porque "fez mal à menina" e estava o assunto arrumado.

E é por isso que, hoje em dia, é tudo uma cambada de maricas. Todos. Os pais com excesso de zelo, com medo de serem julgados e cancelados pela sociedade que se julga polícia da moral, os educadores com medo dos pais com excesso de zelo não querem (e bem) ser os responsáveis por uma remota possível desgraça maior e despacham o assunto para quem o resolva e fique com as consequências e as próprias criancas, que vão herdar esta mariquice toda, já não basta que não se desenrascasquem sozinhas em nada...

É urgente descomplicar as cabeças, "desmaricar" comportamentos e para isso talvez baste dizer mais vezes que "já passou" porque, mesmo que não tenha passado, passa logo mais depressa. O pânico gera pânico, toda a gente devia reconhecer isso.


Sejam felizes, sonhem e "desmariquem" essas cabeças! 

Comentários

Mensagens populares deste blogue

A felicidade que pode ser perdermos a clareza de ideias

Os velhos, às tantas, não dizem coisa com coisa. Misturam assuntos. Dizem que fizeram isto e aquilo sem terem feito nada. Não sabem onde estão ou o que estão lá a fazer. Dizem que falaram com A, B ou C, que já estão a fazer tijolo há muito tempo. Que foram aqui e ali sem na verdade terem saído do lugar. Julgam que os vão levar para casa em breve. Parecem estar noutro mundo ou na lua. Nem que seja apenas por breves instantes. Segundos de trevas que parecem interromper a luz. Ou será ao contrário? Talvez seja da velhice. Talvez seja dos medicamentos.  Talvez. Talvez seja sem querer mas, em certa medida, propositadamente. Que também eu perca a clareza e o discernimento quando eles já não me trouxerem benefício algum.

Desiludem-me, portugueses

Tinha-vos em melhor conta. Mas, afinal, vota-se em quem destila ódio. Toda a gente sabe que isso é sinal de se ser mais capaz. Quem grita mais tem mais razão. Claro. Como não sou eu capaz de ver isso?... Vota-se em quem faz a conversa de café. Quem manda os outros para a terra deles, como se nós nunca tivéssemos ido para a terra de ninguém. E como se não nos fizessem falta alguma. Vota-se em quem manda trabalhar os malandros, os chupistas da sociedade que não fazem nenhum e vivem à mama. E são tantos. Incluindo os que não interessam para a estatística. Vota-se em quem diz o que se quer ouvir, sem pensar nas consequências disso. Vota-se sem pensar se quem diz o que se quer ouvir, consegue realmente fazer o que é preciso. Mas o voto é livre, tal como a opinião. Por isso, cada um saberá de si - assim espero. Julgo, no entanto, que muitos professores de História estarão agora a levar as mãos à cabeça, pensando que, afinal, não conseguiram ensinar nada a ninguém. Nem mesmo aos que passaram ...

Nem tudo o que enche o estômago enche o coração

Sempre gostei de massa. Qualquer que seja, não importa o tamanho ou o formato. Não sou esquisita quanto à aparência da dita cuja, gosto de massa e pronto. Há quem prefira arroz, mas eu gosto mais de massa. É por isso que o Mundo não tomba, como se costuma dizer. Se agora viessem com aquelas teorias (como tantas vezes quanto a tantas outras coisas) de que o arroz afinal faz mal; se me dissessem que a partir de agora só podia comer massa... Era para o lado que dormia melhor. Venha ela. Mas isto não é de agora. Foi sempre assim. Muitos serões em casa da minha Avó S. foram acompanhados de esparguete para a ceia. Não porque fosse regra da casa, mas porque eu tinha fome e que melhor do que ir comer esparguete?? Já tinha idade para mexer no fogão (hoje em dia demora-se mais a poder mexer no lume) e lá ia eu para a cozinha pegar num tacho muito reles (a bem dizer, numa caçarola) que desconfio que a minha Avó comprou na Galinha Gorda ou coisa que o valha. "Lá vai ela comer massa" O ta...