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Ir a um concerto equivale a apanhar 4,5 camadões de nervos. Se calhar, fico em casa.

Ir a um concerto é uma aventura que começa com a compra do bilhete.

Parece que agora começa na fila para a fila da compra do bilhete. Surreal.

Ai queres ir? Primeiro, vai vender o c* na esquina para arranjares dinheiro (pedir à porta da igreja já não é o que era). Também podes comer menos este mês, é tudo uma questão de prioridades. Sim, porque qualquer caramelo saído dos Ídolos cobra acima da centena a quem o queira ver mais de perto (nada contra concursos de talentos musicais, mas nem todos são estrelas assim tão estratosféricas).

Depois de garantido o capital, sabe Deus a que custo, apanhas logo um camadão de nervos para conseguir lugar na fila da fila. Abres no PC, abres no telemóvel, o site breca, suas, dizes meia duas de palavrões, abres de novo, pedes aos amigos para fazer o mesmo, quem conseguir entrar compra para todos, já se sabe. Compra, não, que isto é como ir apanhar vez no Centro de Saúde.

Com sorte tens direito a um código milagroso para, noutro dia de nervos em franja, tentares comprar o bilhete. Vamos ver se tiveste sorte...

Começas desenfreadamente a ver o email. Vês agora, daqui a um minuto e daqui a dois. Percebes que não vale a pena. Daí a uns dias, quando já te esqueceste do camadão de nervos que apanhaste na fila da fila e até já perdeste um bocadinho a esperança, eis que chega um email super-hiper-mega especial, que devia ter honras de fogo de artifício ou salva de tiros de canhão, com o código que tanto querias.

Sabe a copo de água quando se está cheio de sede ou àquele xixizinho libertador depois de muito tempo à rasca, quando já nem sabemos como nos contorcer mais para tentar contrariar a vontade.

Agora vem o segundo camadão de nervos: conseguir bilhete para AQUELE SÍTIO. AQUELE SÍTIO pode ser qualquer um: o golden circle, ou nomenclatura equivalente, para quem não se importa de vender um rim para ficar mais perto do palco; um bilhete dos mais baratos, para quem não se importa muito com o sítio, mesmo que mal veja as pessoas em cima do palco, não faz mal; um que não seja nem muito caro, nem muito barato, para quem não quer vender um rim, mas também não gosta de ver o concerto pelos monitores.

O ritual repete-se: abres no PC, abres no telemóvel, o site breca, suas, dizes meia duas de palavrões, abres de novo, pedes aos amigos para fazer o mesmo, dás-lhes o teu código porque eles não tiveram a mesma sorte, quem conseguir entrar compra para todos, já se sabe. 

Seja qual for AQUELE SÍTIO, quando finalmente entras no site, os bilhetes para lá já esgotaram. Vais ter que te resignar a um dos outros e sempre podes ter que vender um rim.

Uff!... Mas tiveste sorte, conseguiste um bilhete e é isso é que importa.

Vamos imaginar que é, afinal, um festival. Daqueles com nome de cerveja, operadora de telecomunicações, cidade brasileira ou outras coisas que tais.

É daqui a 9 meses, mas os meses passam a voar. De repente é já no próximo fim-de-semana e não tens nada que vestir.

E aí vem o terceiro camadão de nervos. Não contente em simplesmente escolher qualquer coisa confortável, adequada às condições atmosféricas do dia e da noite, que faça minimamente pandam, não esquecendo a mochila para os comes e bebes essenciais, sim, porque para comer e beber naqueles sítios só vendendo o outro rim e é capaz de ser chato, não, isso não é suficiente. O look... Ai meu Deus, o que é que vou vestir?!...

Vais ao Google ver o que é que se anda a vestir nos festivais, o que vestem os famosos, o que calçam, como se penteiam e como se maquilham. Procuras aquele look festivaleiro, seja lá isso o que for. Chegas à conclusão que não tens nada daquilo e lá se vai o outro rim. Sim, antes o rim que não poder colocar fotos do Insta.

No dia, dependendo de qual é AQUELE LUGAR e, por consequência, de qual é o teu espírito para concertos, podes vir a apanhar o quarto camadão de nervos.

(Esquecendo, claro, a viagem até ao local do concerto, o estacionamento, os comboios suprimidos e os metros cheios.)

Se pouco te importa onde ficas, estás safo, senão... Esperam-te horas à chuva ou ao sol, conforme a sorte e a meteorologia. Doem-te os pés, o fundo das costas e osso do cu. Já não sabes se deves estar sentado ou de pé. Conheces os companheiros de aventura, uns mais interessantes que outros, é a vida, também para eles podes ser um pãozinho sem sal.

Está quase na hora da abertura de portas, a fila começa a condensar. Estás de pé, não tens alternativa.

És apalpado até à quinta casa, deixas metade da marmita no lixo à entrada, bem como as tampas das garrafas de água (da próxima vez sê esperto e esconde-as melhor).

Corres mais do que se corre em Pamplona e lá chegas, finalmente, ÀQUELE LUGAR.

Vão à vez fazer um xixi, tu e os teus amigos, e passam os olhos pelos preços das coisas. Ainda bem que trouxeram umas sandes, pena a caixa da fruta ter ficado no lixo, se soubesses tinhas posto num saco. Os vizinhos agora são outros. Vês aquele do boné e a cara de doninha ali ao fundo, a gaja do cabelo verde ali à esquerda e aquele ser que nao conseguiste perceber o que era parece ter encontrado alguém conhecido. #deixem-meidentificaraspessoascomoeuasvejoporra

De repente, voltam as dores de costas, dos pés e do osso do cu. Afinal, só tinham adormecido durante o frenesim da entrada no recinto e quando o pensamento de bexiga cheia se sobrepôs a tudo o resto.

Sentas-te, levantas-te, comes uma sandes. Mas não sais dali. Não te queres arriscar a perder o lugar, a menos que to guardem.

Começa a haver confusão no palco a banda de abertura deve estar quase a começar. Não foi essa que te fez comer menos durante um mês, mas dás uma oportunidade.

Até não é mau. São ingleses. E já estás a levar com um grupo de fãs deles em cima, bêbados que nem um cacho (deviam ter sido avisados que a cerveja aqui é diferente), com escaldões que dão dó, roucos de tanto gritar, mas felizes. Parece que sairam à rua pela primeira vez em 2 ou 3 anos (hummm...).

Trocas uns olhares pouco simpáticos com eles, depois de te empurrarem pela milésima vez e de te batizarem com cerveja. De repente, parece que voltaste a ser caloiro. É que uma pessoa, a primeira ainda desculpa, coitados, não repararam, mas as próximas já roçam a falta de respeito.

Vem a próxima banda, que continua a não ser a que vieste ver, mas, uma vez mais, dás uma oportunidade. Graças a Deus que não são ingleses! Esses desapareceram na multidão quando a banda da sua terra parou de tocar.

A banda termina e, por falar em multidão, começa a apertar. Avanças um metro ou dois para a frente mesmo que, há meia hora atrás, isso parecesse impossível.

Estás em modo sardinha em lata, tentas marcar o teu espaço mas há sempre um chico-esperto que acha que ainda cabe. Esgueira-se por entre a multidão, como se se conseguisse encolher, e lá vai andando até chegar a um sítio que lhe pareça bem. Tipicamente, à tua frente. Tu até não és baixo, mas porra, o gajo é maior que tu. Começas a pensar que só vais ver metade do palco, o resto tens que ver nos monitores, mal empregado o dinheiro do bilhete. Mas o chico-esperto, não contente com o lugar, esgueira-se para outro sítio. Ainda bem. Fixas os pés no chão como se os enterrasses, caramba, não hás-de mover-te para mais lado nenhum. Abres um pouco os cotovelos para que mais nenhum chico-esperto sinta que consegue encolher-se e esgueirar-se por aí. Estás pronto.

300 mil anos depois, já os roadies de uns e de outros tiraram e puseram tudo do/no palco; depois ainda de vários pensamentos erráticos "É agora", agora sim, é agora.

O filho da puta à tua frente e outras centenas, para não dizer milhares, sacam dos telemóveis. Agora nem palco, nem monitores, vês pelos telemóveis desses cabrões e é se queres. E ainda lês meia dúzia de mensagens trocadas com alguém que não teve a sorte de ali estar.

Tu pegas no teu, filmas a entrada, tiras meia dúzia de fotos e voltas a guardá-lo. Foste para o ver o concerto, não para o filmar. Aquele filho da puta continua em directo para o Facebook. Ele e os outros, para todas as redes sociais que existem.

Passas os próximos minutos a tentar desviar-te para ver alguma coisa. Ora para a esquerda, ora para a direita. Mandas umas bocas, mas claro, ninguém ouve. Desejas, como quem quer muito um copo de água quando tem sede, que lhe caia o telemóvel ao chão. Ui, foi quase!...

Acabas por te resignar e ele acaba por guardar a porcaria do telemóvel. Não, espera, já o tirou de novo, irra!

Tentas não dar importância, senão nem aproveitas o concerto, mas isto realmente, há com cada um...

O concerto lá se passa. Mais telemóvel, menos telemóvel; mais para a esquerda ou mais para a direita, lá foste vendo qualquer coisita. Não negues, 50% do que viste foi através dos monitores. Teve que ser. Ainda levaste com a malta do moche em cima, embora odeies essas merdas, se ficas nos primeiros 10m do palco, tens que te aguentar com eles.

Agora é a treta do encore. Agora vamos fingir que vamos embora, vocês fingem que acham que fomos mesmo embora e assobiam meia dúzia de merdas, nós voltamos com ar de salvadores da pátria agradecidos e tocamos mais uma. Fim.

Fim, uma merda. E agora sair daqui??

E chega o meio camadão de nervos final, já não tens forças para mais, só queres sair dali.

Tens milhares de pessoas atrás de ti. De repente estás de novo em modo sardinha em lata no meio de seres mais ou menos sóbrios com cara de "venho da festa...". Sentes-te numa espécie de Walking Dead, em demanda à procura de carne fresca mas sem pressa em alcançá-la.

É aguentar. Talvez daqui a meia hora consigas sair do recinto e daí a outra meia chegues ao carro. O concerto acabou à 1h mas só chegas a casa lá para as 3h ou 4h.

Se tiveres coragem tomas um banho, ficas meio desperto, tens um zumbido nos ouvidos e a cabeça estranhamente leve que nem penas (e tu não bebes nem fumas). Tens fome mas nenhuma coragem para ter o trabalho de ir comer e bebes água para enganar. O zumbido talvez passe no dia a seguir, a cabeça passa quando dormires o suficiente para recuperar energias.

Foi para esta merda que andaste um mês a massa com atum e salsichas com ovos. Não esquecendo o arroz de trombas de quem não achou graça nenhuma a teres vendido um rim para ires à porcaria do concerto que quase te deu 4,5 ataques cardíacos e te fez estar um dia inteiro fora de casa.

Se calhar mais valia teres ficado em casa.

Naaa, foi brutal!!!

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