Avançar para o conteúdo principal

Eu já não sou aquilo que era...

Corri.
Saltei.
Caí e sujei-me.
Cortei o meu cabelo e até mesmo as calças de ganga.
Fiz asneiras.
Fiz barracas com canas, caixas de madeira e de cartão.
Abri e fechei lojas amontoando cadeiras e trapos.
Vendi kilos de bolos de terra sem nunca tocar em dinheiro.
Vendi peixe que nunca existiu.
Fiz tendas com lençóis e depois desmanchei-as.
Desmanchei televisões para brincar com o seu interior.
Arranquei os braços às bonecas e cortei-lhes o cabelo.
Joguei à apanhada e até ao berlinde.
Saltei ao elástico e joguei à bola.
Joguei basquete e xadrez.
Andei de bicicleta e de tractor.
Apanhei conchas, búzios e pedrinhas na areia da praia.
Brinquei.
Queria ser cabeleireira, médica e arqueóloga.
Fiz tudo aquilo que as meninas costumam fazer.
E os meninos também. :)
Fui muito feliz porque na minha infância não haviam telemóveis.
Ninguém preferia um jogo de computador a jogar às escondidas.
As consolas não nos roubavam as horas de brincadeira com o vizinho.
Íamos a pé para a escola.
Comprávamos bolas por todos para jogarmos nos intervalos.
Trocávamos berlindes, tazos e cromos do Bollycao.
Não tínhamos pressa em crescer.
Íamos para a cama depois de dar o Vitinho e de manhã estávamos como novos; nem os joelhos esfolados nos tiravam vontade de correr.
Depois deixamos de brincar tanto, seja porque não nos apetece ou porque já temos outras responsabilidades...
Aprendi que a vida afinal não tem só coisas boas.
As pessoas desiludem-nos e magoam-nos.
Fazem-nos buraquinhos no coração, daqueles que doem.
Doem mais que os joelhos esfolados ou as palmadas da mãe.
Mas aprendi também que há pessoas que sabem tapar esses buraquinhos.
E eles deixam de doer.
Hoje já não corro tanto.
Nem salto.
Não faço barracas, nem lojas.
Já não vendo nada.
Também já não faço as asneiras que fazia.
Faço outras.
Já não vou a pé para a escola.
Não vivo sem o computador.
Vou para a cama muito depois da hora do Vitinho.
E uma simples constipação dá-me vontade de não saír de lá.
Um arranhão na cara feito pelo gato tem agora outra importância.
Tenho alguém que me cuida do coração mesmo antes de me fazerem um buraquinho.
Já não jogo à bola.
Já não quero ser cabeleireira.
Mas adoro pentear toda a gente!
Também não quero ser arqueóloga, embora continue a apanhar pedrinhas.
Nem médica.
Tenho horror a doenças!
Mas continuo a desmanchar tudo o que encontro só para ver como funciona.
E a fazer aquilo que os meninos costumam fazer.
Mais do que as meninas. :)

...cresci!

Comentários

Anónimo disse…
Eu TAMBÉM já não sou aquilo que era...

Fui criança e às vezes sinto saudades…
Andei anos e anos de bicicleta sem ter de usar um capacete!!
Passei horas a fazer um carrinho de rolamentos no qual sonhava andar a grande velocidade pela rua abaixo… Os tavões eram as solas dos ténis!!
Não tinha PlayStation, X Box, TV cabo, telemóvel, computador, DVD, Internet...
Jogava ao elástico, ao berlinde, à apanhada e á bola! Criava jogos com paus e bolas.
Tinhas amigos e se os quisesse encontrar ia procura-los à rua…
Estava incontactável e ninguém se importava com isso…
Ia a pé para casa dos amigos e acreditem ou não ia a pé para a escola!! Não esperava que a mamã ou o papá me levassem até lá!!
Não tinha frascos de medicamento com tampas "á prova de crianças" ou fechos nos armários…
Viajava em carros sem cintos traseiros e airbags…
Bebia água da mangueira do jardim e não da garrafa e sabia bem!!
Partilhava garrafas e copos com os amigos e nunca morri por isso.
Comia batatas fritas, pão com manteiga e bebia gasosa com açúcar, mas nunca engordava porque estava sempre a brincar ao ar livre.
Ouvi vezes sem conta o "we are the world" numa K7 pois os CD's ainda nem existiam!!
Lembro-me do Michael Jackson preto!!
Ouvia ainda os Onda Choc, os Ministars,… Pois não vivia obcecada com um grupo estrangeiro ou um miúdo com bom aspecto a cantar umas cenas lamechas!!
Os desenhos animados eram animados e não violentos! A Heidi e o Marco, As Aventuras de Tom Sawyer , o Inspector Gadget, Era uma vez a vida, a Pantera cor de rosa, os Pequenos póneis, a Abelha Maia, a Formiga Feerdy …
As series televisivas também eram interessantes! O Justiceiro, o Macgyver, o Bonanza, ao Três Duques, O Raio Azul, o Alf, o Olho Vivo, o Chefe mas pouco, as Marés Vivas, Beverly Hills 90210, O Barco do Amor, o Esquadrão classe A, o Duarte e Companhia…

Não sei como sobrevivi mas sei que fui feliz! E permitam-me a ousadia chego mesmo a pensar que fui uma criança mais feliz do que seria hoje!!

…eu também cresci!! Mas mais por dentro do que por fora!!
Anónimo disse…
Esqueceste-te de dizer uma coisa... Cada vez tás mais linda!!! :D AMO-TIIIII@@@

Mensagens populares deste blogue

A felicidade que pode ser perdermos a clareza de ideias

Os velhos, às tantas, não dizem coisa com coisa. Misturam assuntos. Dizem que fizeram isto e aquilo sem terem feito nada. Não sabem onde estão ou o que estão lá a fazer. Dizem que falaram com A, B ou C, que já estão a fazer tijolo há muito tempo. Que foram aqui e ali sem na verdade terem saído do lugar. Julgam que os vão levar para casa em breve. Parecem estar noutro mundo ou na lua. Nem que seja apenas por breves instantes. Segundos de trevas que parecem interromper a luz. Ou será ao contrário? Talvez seja da velhice. Talvez seja dos medicamentos.  Talvez. Talvez seja sem querer mas, em certa medida, propositadamente. Que também eu perca a clareza e o discernimento quando eles já não me trouxerem benefício algum.

Desiludem-me, portugueses

Tinha-vos em melhor conta. Mas, afinal, vota-se em quem destila ódio. Toda a gente sabe que isso é sinal de se ser mais capaz. Quem grita mais tem mais razão. Claro. Como não sou eu capaz de ver isso?... Vota-se em quem faz a conversa de café. Quem manda os outros para a terra deles, como se nós nunca tivéssemos ido para a terra de ninguém. E como se não nos fizessem falta alguma. Vota-se em quem manda trabalhar os malandros, os chupistas da sociedade que não fazem nenhum e vivem à mama. E são tantos. Incluindo os que não interessam para a estatística. Vota-se em quem diz o que se quer ouvir, sem pensar nas consequências disso. Vota-se sem pensar se quem diz o que se quer ouvir, consegue realmente fazer o que é preciso. Mas o voto é livre, tal como a opinião. Por isso, cada um saberá de si - assim espero. Julgo, no entanto, que muitos professores de História estarão agora a levar as mãos à cabeça, pensando que, afinal, não conseguiram ensinar nada a ninguém. Nem mesmo aos que passaram ...

Quando for grande quero ter a acefalia de dizer que o meu sonho é ser influencer

Antes, no passado, no "meu tempo", queríamos ser médicos para salvar vidas, advogados de causas perdidas para trazer justiça a este mundo cruel, engenheiros de qualquer coisa para arranjarmos soluções para os problemas com que nos deparávamos. Cabeleireiras para pôr as pessoas bonitas, pedreiros para fazermos a nossa própria casa, na loucura, jogadores da bola - e era este último o desejo mais acéfalo possível naquela altura. E ainda nem havia nenhum Ronaldo, imagine-se. Agora, num mundo em que o que interessa é aparecer, quere-se ser - imaginem - influencer . Mas que merda é esta? Que raio de trabalho é esse mesmo?  Sim, até compreendo, deve dar um trabalho desgraçado pensar em conteúdos, fazer aquela maquilhagem que parece que não está lá para parecer que se acabou de acordar em bom, filmar a mesma coisa meia dúzia de vezes porque nunca nada está bem, tirar a mesma foto 20 vezes porque há sempre qualquer coisa que está mal. Ter, completamente por acaso, o telemóvel a filmar...